06/12/2023
Embora não tenham completado o esquema vacinal no período adequado, entrevistados afirmam que o maior medo ligado à doença é o surgimento de novas variantes, o que pode ser combatido justamente com o avanço da vacinação
Embora mais de 518 milhões de doses das vacinas contra a Covid-19 já tenham sido aplicadas no Brasil nos últimos três anos1, uma parte da população tem hesitado em continuar a se proteger da doença, mesmo em um cenário de oscilações no número de síndromes respiratórias agudas graves (SRAGs) causadas pelo SARS-CoV-2, com alguns Estados ainda apresentando aumento de casos e internações2. Compreender melhor os motivos que interferem no comportamento dessa parcela da sociedade é o objetivo de uma nova pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), a pedido da Pfizer.
Com a participação de 1.840 adultos de 18 a 59 anos e entrevistas em 106 cidades, a pesquisa Covid-19 hoje: por que a população não vacinada ainda hesita em se proteger?’ contempla brasileiros que não chegaram a completar o esquema vacinal contra a Covid-19 recomendado no Brasil ao longo do período de combate à doença, ou seja, receberam três ou menos doses do imunizante desde o início do programa de vacinação no País. A abrangência do levantamento é nacional, com recorte de dados para o Distrito Federal e os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Santa Catarina.
A pesquisa aponta que a população investigada, embora não tenha completado seu esquema vacinal no período adequado, reconhece o papel da imunização no enfrentamento da Covid-19: 86% dos entrevistados ouvidos pelo Ipec dizem que os imunizantes são importantes (ou muito importantes) para proteger os adultos e 82% têm essa mesma percepção em relação às crianças. As vacinas para a prevenção de complicações ligadas à infecção pelo SARS-CoV-2 também são percebidas como seguras, tanto para os maiores de 18 anos (78% dos entrevistados) quanto para a população pediátrica (75%).
“A imunização continua a ser a principal forma de prevenção contra casos graves de Covid-19, contribuindo para reduzir o risco de morte e o número de hospitalizações. Não podemos esquecer que mais de 700 mil pessoas morreram no Brasil por causa da doença até o momento e que, desde o início das campanhas de vacinação, a mortalidade começou a diminuir drasticamente na população em geral”, diz a diretora médica da Pfizer Brasil, Adriana Ribeiro.
“Em maio deste ano, a Organização Mundial de Saúde decretou o fim da emergência de saúde pública para a Covid-19, mas a importância de mantermos a prevenção permanece, uma vez que a doença continua causando internações e óbitos, com mais de 13 mil mortes apenas neste ano”, complementa Adriana. Esse número é superior, por exemplo, ao total de brasileiros que morreram tendo o HIV ou a aids como causa básica em 2022, número inferior a 11 mil óbitos, conforme o boletim mais recente divulgado pelo Ministério da Saúde3.
Apenas 7% dos respondentes da pesquisa afirmam não confiar nas vacinas contra a Covid-19 e consideram que elas são pouco ou nada importantes, bem como totalmente ou parcialmente inseguras. Além disso, grande parte da população entrevistada (45%) tem consciência de que, por não ter completado o esquema vacinal no período adequado, não ficou totalmente protegida contra a doença: 32% desses entrevistados alegam que não conseguiram tomar todas as doses e 13% dizem que, como a emergência de saúde acabou, deixaram de se preocupar com esse assunto.
Se há confiança nas vacinas e percepção do risco associado à falta de proteção, quais seriam os outros fatores que poderiam interferir na decisão de continuar ou não a se imunizar contra a Covid-19? De acordo com os entrevistados pelo Ipec, um eventual “retorno da pandemia ou aumento de casos” seria a principal motivação que levaria à atualização do cartão vacinal (25%), assim como ter “tempo disponível” (14%) ou uma situação de “obrigatoriedade” (11%), como indica a tabela abaixo:
Do total da amostra, 20% dizem que “nada” faria com que retomassem a vacinação contra a Covid-19. Em geral, essa rejeição é mais forte entre os menos instruídos e com menor renda familiar. Por outro lado, 72% dos entrevistados concordam que, se uma nova onda de Covid-19 surgir, irão se vacinar imediatamente.
Ainda que a população investigada pelo Ipec não tenha completado o esquema vacinal recomendado no Brasil durante a pandemia, o medo da Covid-19 permanece: esse sentimento permeia quase metade da amostra (48%). Nesse contexto, o principal temor é em relação ao surgimento de novas variantes e à retomada de medidas restritivas (24%), o que se acentua ligeiramente entre as mulheres (28%) e nos jovens de 18 a 24 anos (também 28%), mas perde força entre os mais velhos, com idade entre 45 e 59 anos (19%).
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Botucatu, o infectologista Alexandre Naime Barbosa afirma que a preocupação em relação às variantes do SARS-CoV-2 é legítima. “Estamos falando de um vírus que tem o potencial de sofrer mutações com alta frequência, o que geralmente acontece quando ele é transmitido de uma pessoa para outra, dando origem a uma variante do vírus original. Algumas variantes se disseminam mais rapidamente do que outras, o que pode levar ao aumento de casos e agravamentos ligados à doença. Essa é uma situação preocupante especialmente em períodos de maior aglomeração de pessoas, o que inclui as festividades do fim de ano”, explica o médico.
Entre os entrevistados que participaram da pesquisa do Ipec, contudo, 20% acreditam que o “pior já passou”, mas também estão convictos de que as vacinas “podem nos proteger caso tenhamos uma nova onda de Covid-19”. Apenas 15% das pessoas ouvidas afirmam categoricamente que a “pandemia já terminou e que elas “não têm medo de pegar Covid-19”, conforme indica a tabela a seguir:
Na pesquisa realizada pelo Ipec, os meios de comunicação jornalísticos mais tradicionais (TV, rádio, jornal, revistas) se destacam como a principal fonte de informação sobre o tema, mencionados por43% dos entrevistados. Postos de saúde aparecem em segundo lugar (30%), enquanto as redes sociais são referidas por 26%, seguidas pelos portais de notícias, com 25%.
Considerando o total de entrevistados, 67% classificam as informações disponíveis sobre a vacina contra a Covid-19 nos diversos meios de comunicação como “fáceis” ou “muito fáceis de entender”. Contudo, duas em cada três pessoas que não completaram sua proteção contra a doença acreditam em pelo menos uma das fake news mais comuns sobre o tema – e 70% desse grupo afirma que sua decisão de continuar ou não a se imunizar contra a Covid-19 foi influenciada em algum grau por essas informações.
Entre as afirmações falsas que causam mais confusão nos entrevistados pelo Ipec está a ideia de que as vacinas contra a Covid-19 seriam experimentais (34%), a percepção de que esses imunizantes provocariam casos graves de miocardite, trombose, fibromialgia e Alzheimer (16%), bem como a suposição de que o surgimento de novas variantes da Covid-19 comprovaria a ineficácia das vacinas (13%) ou o mito de que esses imunizantes seriam mais perigosos do que o próprio vírus (13%).
Em contrapartida, 28% dos respondentes da pesquisa, embora tenham abandonado a imunização contra a Covid-19, não acreditam em nenhuma das fake news investigadas pelo levantamento – essa taxa sobe para 37% entre aqueles com maior escolaridade (ensino superior) e chega a 46% no recorte para o Distrito Federal.
Um recorte de dados da pesquisa do Ipec também permite conhecer mais a fundo as percepções dos entrevistados que têm filhos com idade entre 6 meses e 17 anos (ou são responsáveis por alguém nessa faixa etária), parcela que representa quase metade (48%) do total de respondentes. A maioria dessas crianças e jovens (59%) tomou pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19.
Recentemente, o Ministério da Saúde anunciou que a imunização contra a Covid-19 será incluída no Calendário Nacional de Vacinação a partir de 2024, com uma recomendação que irá priorizar justamente as crianças (de 6 meses a menores de 5 anos), bem como os grupos com maior risco de desenvolver as formas graves da doença, entre eles idosos, imunocomprometidos, gestantes e puérperas, trabalhadores da saúde, pessoas com comorbidades, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, além pessoas vivendo em instituições de longa permanência e seus trabalhadores, bem como indivíduos com deficiência permanente e aqueles privados de liberdade ou que estão em situação de rua4.
Entre os entrevistados pelo Ipec que são responsáveis pela imunização da população pediátrica está clara a importância de proteção para os menores sob seus cuidados: a maioria (65%) discorda (totalmente ou parcialmente) da falsa ideia de que as crianças não desenvolvem a forma grave da Covid-19 e, portanto, não precisam ser vacinadas. Contudo, mesmo reconhecendo o papel dos imunizantes, 20% desses cuidadores deixaram de completar o esquema vacinal previsto para suas crianças e jovens por medo de possíveis efeitos que a vacina pudesse causar, como febre e calafrios.
“As autoridades sanitárias têm reforçado que o benefício das vacinas contra a Covid-19 supera fortemente o risco de não vacinar. Em geral, as reações à vacina nas crianças, quando ocorrem, são leves e passageiras. Priorizar a proteção desse grupo é importante não apenas do ponto de vista individual, mas também coletivo, para diminuir a circulação do vírus, já que as crianças costumam ser vetores importantes de doenças respiratórias”, comenta a médica Adriana Ribeiro.
O levantamento aponta, ainda, que 39% dos adultos responsáveis pela imunização do público infantil não chegaram a conversar com o pediatra antes de tomar a decisão de vacinar (ou não) as crianças e adolescentes: o porcentual vai para 32% entre bebês de 6 meses a 2 anos, subindo para 36% na faixa etária de 3 a 4 anos, chegando a 38% no grupo de 5 a 11 anos e alcançando 48% no recorte para jovens de 12 a 17 anos.
Apenas 2% dos entrevistados que são cuidadores disseram, contudo, que o médico não recomendou aplicar a vacina contra a Covid-19 em seus filhos. “A pesquisa reforça que o pediatra desempenha um papel importante na vacinação de crianças e jovens. Entre aqueles que foram orientados corretamente quanto à imunização infantil, percebemos que há uma proporção maior de crianças com mais doses. Por outro lado, a taxa de não vacinados é superior entre aqueles que não foram orientados ou não tiveram contato com os médicos”, complementa Adriana.
1. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Vacinômetro. Acesso em dezembro de 2023. Disponível em: https://infoms.saude.gov.br/extensions/SEIDIGI_DEMAS_Vacina_C19/SEIDIGI_DEMAS_Vacina_C19.html
2. FIOCRUZ. Infogripe: Covid-19 mantém cenários variados no Brasil. Acesso em dezembro de 2023. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/infogripe-covid-19-mantem-cenarios-variados-no-brasil
3. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Boletim Epidemiológico sobre HIV/aids. Acesso em dezembro de 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/brasil-registra-queda-de-obitos-por-aids-mas-doenca-ainda-mata-mais-pessoas-negras-do-que-brancas#:~:text=Em%202022%2C%20o%20Minist%C3%A9rio%20da,por%20dia%20no%20ano%20passado
4. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Vacina contra Covid-19 será incluída no calendário nacional de crianças e aplicada em grupos prioritários a partir de 2024. Acesso em dezembro de 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/vacina-contra-covid-19-sera-incluida-no-calendario-nacional-de-criancas-e-grupos-prioritarios-a-partir-de-2024